quarta-feira, setembro 30, 2009

Pinga - nasceu há 100 anos

Artur de Sousa nasceu há 100 anos na Madeira. O futebol e a memória portista perpetuam-no como Pinga, craque de excepção, referência dos anos 30 e 40 e encantador das plateias da Constituição e do Lima. O www.fcporto.pt recorda a história da lenda madeirense, recuperando um texto da edição de Fevereiro de 2008 da revista Dragões. Inesquecível.

Pinga – Um dos «três diabos do meio-dia»

Nasceu a 30 de Setembro de 1909. Madeirense. Aos 18 anos era titular do Marítimo, revelando-se um esquerdino de excepcional talento. Ainda não tinha 21 quando, a 23 de Junho de 1930, seleccionado para representar o Funchal frente ao Porto (cidade), se exibiu no desaparecido Estádio do Lima. O Porto venceu o Funchal por 3-1, mas quem encantou a plateia foi um tal Artur de Sousa, de alcunha «Pinga».

Olheiro atento, o FC Porto tentou desde logo contratá-lo. «Pinga» deu nega. Alegando saudades da sua ilha e a oposição da mãe, regressou à Madeira. Uma estadia curta porquanto um desentendimento com dirigentes do seu clube levou-o a «exilar-se» durante cinco meses no União Micaelense cujas cores passou a defender.

Não tardou, porém, que «Pinga» fosse, pelo seu engenho e arte, obrigado a voltar ao Porto. Já não para um entretido jogo intercidades, mas para envergar pela primeira vez a camisola das quinas e logo num dos «derbies» internacionais mais apetecidos – um Portugal/Espanha. O oitavo da série que marcava também a estreia na selecção dos portistas Castro e Álvaro Pereira, apadrinhados pelos seus colegas de emblema Avelino Martins e Valdemar Mota.

Amputada de jogadores sob a jurisdição de uma amuada Associação de Futebol de Lisboa, que os impediu de aceitarem qualquer possível convocatória (Carlos Alves, do Carcavelinhos, foi o único que furou o «bloqueio») a selecção nacional de Portugal, a actuar na então sala de visitas do Porto – o Campo do Ameal – viria a perder por 1-0.

Para que conste e se registe, anote o leitor a data do encontro – 30 de Novembro de 1930 – e o nome dos eleitos pela dupla técnica da Federação Portuguesa de Futebol, Laurindo Grijó e Augusto Pedrosa: Artur Augusto (V. Setúbal); Carlos Alves (Carcavelinhos), Avelino Martins (FC Porto), Raul Alexandre (V. Setúbal), Álvaro Pina (Barreirense), Álvaro Pereira (FC Porto), Valdemar Mota (FC Porto), João dos Santos (V. Setúbal), «Pinga» (Marítimo), Armando Martins (V. Setúbal) e Francisco Castro (FC Porto). Arbitrou um belga de nome Baert e o golo teve o selo de Peña, companheiro de luta de Blasco; Ciriaco, Quincoces, Prats, Guzman, Lafuentes, Regueira, Goiburu, Chirri e Corostiza.

Adiante. Voltemos ao «Pinga» e ao Futebol Clube do Porto. Eram, por esta altura, presidente do nosso clube Dumont Villares e treinador Joseph Szalo.

Eduardo Dumont Villares, o Presidente, primo do pioneiro da aviação brasileira Santos Dumont e um dos primeiros 100 sócios da «refundação» do clube em 1906, havia sido um eclético desportista (campeão na natação, no ténis e no futebol integrando o onze que, no Campo da Rainha, defrontou o Real Fortuna de Vigo naquele que foi o primeiro jogo internacional entre clubes efectuado no nosso país) e o primeiro Presidente da Assembleia Geral do Clube.

Joseph Szabo, o treinador, era húngaro, havia encantado os adeptos aquando da digressão do Szombately pelo nosso país e fora descoberto, também na Madeira, onde jogava e treinava o Nacional da Madeira.

Conhecedores profundos do que era «fantasia» e «ouro de lei», presidente e treinador que sempre tiveram, desde o «intercidades», «Pinga» debaixo de olho, entenderam que esta sua nova vinda ao Porto era o momento certo para o tudo ou nada. A hora exacta para um ataque decisivo.

O parto foi difícil, mas desta vez com êxito. Estava escrito que as cores da sua camisola de glória seriam o azul e branco do FC Porto.

«Pinga» assinou a 23 de Dezembro de 1930 e a 25, dia de Natal, estreava-se no Campo da Constituição, frente ao Salgueiros, contribuindo para uma copiosa vitória (9-2 para uns, 10-2 para outros), bem mais fácil do que aquela que, três dias depois seria conseguida, no mesmo palco, frente ao Eirinãs FC de Pontevedra (3-2). Estava dado o pontapé de saída para uma carreira de sucesso que o haveria de guindar a um plano ímpar no futebol nacional.

Durante 16 anos esteve «Pinga» ao serviço do FC Porto e 12 ao da selecção nacional. Pelo seu clube participou em 400 jogos e marcou 394 golos. Por Portugal foi 23 vezes internacional (Espanha 11, Suíça 4, Alemanha e Hungria 2, Itália, Bélgica, Áustria e Jugoslávia 1) e marcou 8 golos (3 à Espanha, 1 à Jugoslávia, Suiça, Alemanha, Bélgica e Hungria). No seu último jogo pela selecção, a 1 de Janeiro de 1942, no Estádio José Manuel Soares, em Lisboa, defrontou e venceu a Suiça. O seleccionador de então, Cândido de Oliveira, entregou-lhe a braçadeira de capitão e, curiosamente, não teve a companhia de nenhum dos seus padrinhos do baptismo internacional doze anos antes – era ele o único sobrevivente de uma selecção que tinha agora como guarda-redes António Martins (Benfica); na defesa Gaspar Pinto (Benfica) e Álvaro Cardoso (Sporting); no trio do meio campo Mariano Amaro (Belenenses), Carlos Pereira (FC Porto) e Francisco Ferreira (Benfica); dispondo na frente de ataque da companhia de Adolfo Mourão, Fernando Peyroteo, João Cruz (Sporting) e Alberto Gomes (Académica).

«Pinga» foi, pelo FC Porto, duas vezes campeão nacional, três campeão da Liga e por uma vez campeão de Portugal. Por vinte e cinco vezes representou a Associação de Futebol do Porto, por outras tantas representara a Associação de Futebol da Madeira, e por três vezes foi campeão do Funchal pelo Marítimo.

A 7 de Julho de 1946 despediu-se, como jogador, dos campos de futebol. O Estádio do Lima encheu-se para presenciar um festival que contou com um desfile em que tomaram parte mais de 500 atletas de dezenas de colectividades, com um jogo em que o FC Porto venceu um «Misto Nacional» (de cuja composição não encontramos registo) por 5-4 e teve como ponto alto o momento em que o Governador Civil do Porto condecorou «Pinga» com a Medalha de Ouro da Federação Portuguesa de Futebol.

Quando, depois de ter treinado a Sanjoanense, o Tirsense e o Gouveia, trabalhava nos infantis do FC Porto e iria passar a coadjuvar mestre Artur Baeta na equipa júnior, a morte levou-o.